Muitos foram os estilos de vida que experimentamos desde que se fez a luz sobre a terra recém criada. Vários sistemas sociais, políticos e econômicos nos acompanharam ao longo da história. No início nômades, a cata de qualquer comida, conseguimos finalmente nos fixar a terra, graças ao advento da agricultura. O sistema mercantilista, dominante até a época feudal, foi substituído gradativamente pelo capitalismo, com algumas incursões ao socialismo e comunismo, de sucesso relativo. O homem tem se tornado cada vez menos selvagem, mais a existência cada vez mais A busca insana pela produtividade, venda maciça da mão de obra, atingiu os médicos da mesma forma que outros trabalhadores, predominando o excesso de automatização e a especialização, que habita todas as áreas da atividade humana.
A sociedade libera ao exercício da medicina indivíduos adequadamente treinados após anos de estudo em uma universidade. Contudo, nesses bancos, adquirimos somente o conhecimento científico, mas precisamos ainda da sabedoria e humanidade, fundamentais ao desempenho pleno da atividade, matérias que não se aprendem nos bancos da escola, mas no aproveitamento cotidiano da experiência.
É sabido que ao conhecermos a origem das palavras compreendemos sua força e por isso discuto a etimologia de algumas, o que pode ajudar a entendermos a essência peculiar do exercício da medicina.
A palavra medicina vem do latim, “medere” e significa encontrar o melhor caminho. É claro que isto não significa a jornada mais fácil, mas a mais adequada, baseada em decisão cientificamente fundamentada e democraticamente compartilhada com todos interessado. A cura de uma enfermidade está no meio desse caminho, mas não é seu fim. “Medicus” designa não somente o médico, mas também a substância que cura. Então por natureza, hão de haver momentos que constituímos o próprio tratamento, veículos de consolo e bálsamo ao mal que aflige a outrem. Esse recebe o nome de “patientem”, ou paciente, podendo ser traduzido por aquele que sofre ou padece.
O termo cliente (cliens), por vezes usado, parece menos apropriado, uma vez que reflete a necessidade de proteção de uma pessoa. Soa mais como uma necessidade física que da alma. Todavia, dependendo do modo como se relacionam pode ser adequado. Se for um contrato mais jurídico o termo é pertinente, mas se significa uma aliança entre duas pessoas o termo paciente reflete melhor essa relação.
Vocação se origina da união de vox (voz) e core (coração) e pode ser traduzida como evocar a voz do coração. Alguns indivíduos são assim, nascem médicos e podemos reconhecê-los no exercício de muitas outras atividades. Já a palavra profissão (professum) significa declarar perante um magistrado a sua capacidade e pode ser adquirida através do estudo da medicina. É fácil entender que as duas coisas não andam sempre juntas, na verdade é muito raro e é uma benção, quando encontramos alguém que nasce e se torna médico.
A relação entre médico e paciente é muito mais humana que a vivida nas demais profissões e nela se expõe a dignidade de cada um. Espera-se que no exercício de sua atividade prevaleça não apenas a instrução, mas também a honradez e a razão. É uma relação desigual entre humanos, em que se desenvolve de um lado a esperança de curar, de outro ser curado. O objetivo final é o mesmo e, portanto, deve ser compartilhado, para que o melhor caminho favoreça os dois. Ao se criar esse vínculo, sua manutenção necessita de empatia, confiança, compaixão e sensibilidade.
Nem tudo que evolui significa para melhor. Em prontuários médicos é muito comum encontramos o termo: evoluiu para óbito. Trata-se de um exemplo corriqueiro de que evoluir pode significar piorar. A medicina evoluiu muito, mas o médico não sei. Hoje negligenciamos o exame clínico, esquecendo que o toque e a atenção pode ser parte fundamental do tratamento ou cura. A fragmentação da prática médica, nos faz parecer aquele garçom do passado, que em um restaurante vazio não nos atendia, pois a mesa não era da competência dele. A sedução dos aparelhos e a falsa segurança da tecnologia nos tornou dependentes extraordinariamente, elevando inaceitavelmente os custos da assistência médica pelo uso excessivo de exames, nem sempre se traduzindo em eficácia.
Talvez tenha chegado o momento de evoluir para traz. Retornar valores esquecidos ou perdidos nessa jornada incrível da humanidade. Me refiro a todas as profissões, quase todas no mesmo estágio, mas particularmente aos médicos. Curar algumas vezes, aliviar quase sempre, consolar sempre. Este aforismo de Hipocrátes, pai da medicina moderna, define em primeira hora o compromisso do médico para com os doentes e deve consagrado como razão primordial do ofício.
Já foi dito que a medicina poderia ser considerada ciência, mas não o é, é arte, visto a diversidade com que os agravos de saúde aparecem, assumindo diferentes matizes de acordo com aquele que guarda o mal. O conhecimento nos dá o caminho, a sabedoria como melhor percorrê-lo e a humanidade nos permite caminhar juntos. Feliz dia dos médicos.