Dia 14 de agosto, desde 2007 é considerado dia do cardiologista. A data é desprovida de maior glamour na escolha, mas merece reflexão, menos pelo profissional, mais pela importância do órgão em questão.
Há tempos o coração é considerado o centro das emoções e não há meio de devolver esta tarefa ao cérebro, verdadeira usina dos sentimentos.
Este mito tem origem na Grécia, por volta do século 5 a.C., fruto de uma discussão filosófica sobre a localização da alma. Para Platão a alma continha três partes: a primeira ficava na cabeça e estava associada ao intelecto; a segunda morava no coração e relacionava-se à raiva, ao medo, orgulho e à coragem; a terceira no fígado e intestinos, ligada a luxúria, a ganância e as paixões em geral. Já para Aristóteles, o coração era a sede da inteligência e das emoções porque ao contrário do cérebro, frio e imóvel, era quente, dotado de movimento, podendo até ser percebido ao toque com a mão espalmada sobre o peito. Considerado centro da vida, nada mais justo que ocupasse o lugar de centro das emoções, notadamente pela aceleração percebida nos momentos de maior angustia ou alegria.
Pode ser que a história seja mais antiga. Em Oviedo, Espanha, há uma caverna onde se percebe uma imagem de 12.000 anos, onde um mamute é retratado com um coração central, sede da alma, centro da vida, local que acertadamente o homem que lá habitava, considerava que deveria ser atingido com a lança para abatê-lo.
Os poetas trataram de manter esta lenda. Pascal afirmou que “o coração tem razões que a própria razão desconhece”. Jair Rodrigues na década de 60 entoava uma canção com os seguintes versos: “prepare o seu coração/pras coisas que eu vou contar…”. Alceu Valença, na década de 80, gravou uma música que faz referência ao eterno mundo sentimental: “a gente se ilude dizendo que não há mais coração”.Fernando Pessoa ao definir que “o poeta é um fingidor” chamou todo o conjunto de emoções do homem de “comboio de corda que se chama o coração”; Carlos Drummond de Andrade resume a questão do sentido cognitivo e perscrutador atribuído ao órgão, no verso “para que tanta perna, meus Deus, pergunta meu coração”.
O vocábulo coração vem do latim, cor ou cordis e desta raíz descende inúmeras outras palavras e expressões, onde pouco nos atentamos para este significado, ou seja ligado originalmente ao coração.
A palavra concordar é formada do latim con + cordis, isto é, com o coração. Quando duas pessoas concordam é porque estão juntas, unidas em seus corações. Discordar, é o oposto, é afastar-se do coração do outro. Recordar, por sua vez, quer dizer “trazer de novo ao coração” , como se vivesse novamente o momento. Da mesma forma, acordar indica que os corações concordam. Acordar, com o sentido de “despertar”, vem de cordato, ajuizado, prudente, coisa que só se pode ser quando não se está dormindo.
Para os romanos a bravura vinha do coração e aí está a origem de coragem. Triste e irreal ironia. Para eles só os fracos viviam com a cabeça, sede dos cálculos. Os fortes, com o coração assumiam todos os riscos.
A palavra cordial, significa referente ao coração, ao afeto e assim cordialidade deveria nortear todas as relações.
A expressão “saber de cor” é como saber sem precisar usar a cabeça: o conhecimento sai sem esforço, flui direto da alma. A bem da verdade o coração já foi considerado sede dos conhecimento e a origem também pode estar aí. Decorar, tem a mesma origem e sentido, quando reflete o saber, a memorização. Já quando usada no sentido de adornar, a origem é outra, decus, que significa enfeitar, no passado tida como uma tarefa supérflua. Sabendo a origem da palavra, se conhece sua força. Desta forma, já na origem os sentimentos mais superficiais diferem dos profundos, mostrando que não há lugar na superfície para as coisas da alma.
Neste dia, dedicado ao cardiologista, melhor que designar aqueles que se preocupam com o coração, deveria significar também um grupo que se preocupa com o sentimento e emoção, órgão físico e alma juntos, tratados com a mesma atenção e dedicação.
A esse grupo, que tenho orgulho de pertencer, dedico minha silenciosa, porém profunda admiração e a todos desejo de coração, todo sucesso do mundo.
– Dr. José Dondici Filho